quarta-feira, 31 de agosto de 2016

AfroTechno

Os Buraka Som Sistema quando afirmaram no disco de estreia que o seu primeiro disco era "From Buraca to the world", eles tinham mais razão do que imaginaram há 10 anos atrás... Como projecto criativo morreu logo no segundo registo mas fizeram o impensável, abriram o Techno africano para o mundo. Agora fala-se em Gqom de África do Sul ou em "batida" dos subúrbios de Lisboa. Seja qual a designação que apareça trata-se de uma renovação da música Techno à escala global.

Em relação à "batida", ela é feita por jovens africanos em Portugal metidos em guetos à procura de uma identidade que foi perdida pela diáspora dos seus pais e negada pelas instituições portuguesas ao não se esforçarem em integrar uma massa enorme de gente. Felizmente para eles existe um "Príncipe encantado" que tem explorado (o termo parece neo-colonialista, bem sei) de forma ética (ah bom!) os DJs "foxes" que andam pelos bairros "fodidos" de Lisboa. E melhor tem conseguido projectá-los pelo mundo fora, como se bem sabe pelo sucesso internacional do Marfox. Nessa senda deu-se também uma edição de três mini-LPs pela grande editora britânica Warp numa série intitulada de Cargaa em 2015. Comprei o último que prometia, segundo uma crítica da revista The Wire, mas não fiquei muito surpreendido. Quer dizer, se o som tem algo de novo e fresco, serão os doidos da dance music que o poderão dizer, por mim, leigo na matéria passa-me ao lado e até acho a música bastante fria. Pode-se dizer o mesmo do drum'n'bass, EBM ou outras correntes dançantes mas talvez o meu principal embirranço seja justamente ao ouvir estes "ecos de África" não oiça vozes humanas. Essa falta de vocalizações dá a entender que a identidade destes descendentes africanos foi apagada, criando um desconforto pouco estimulante para quem não é DJ ou oiça música de dança de forma quotidiana. Percebo a euforia em volta desta música pelo seu ingénuo "afrofuturismo" cujas texturas são tão sintéticas como um cromado de um carro quitado "lá do bairro" e que isso seja um ponto positivo para muitos.

Muito mais entusiasmante achei a colectânea Balani Show Super Hits: Electronic Street Parties From Mali (Sahel Sounds; 2014) porque os gajos que fazem de MC estão presentes. Ouvem-se vozes! Até podem estar a dizer as maiores barbaridades, nunca saberei porque apesar da língua oficial ser o francês, é óbvio que quem grava música popular caga bem de alto na língua do opressor. Festa assumida porque o "Balani Show" é uma festa de rua, eis um LP para mexer o rabo (mesmo o dos caucasianos chatos) em que o kuduro aparece como caminho principal, tendo como paralelas instrumentos locais e o Hip Hop.

Mais agressivo, rápido e estimulante são os Supreme Talent Show também do Mali - a Sahel lançou uma k7 homónima em 2015. Inserem-se numa corrente musical chamada de "Ambience" que incorpora o Balani mas com mais Rap, o uso de sintetizadores e suponho eu letras socialmente interventivas. Ao que parece o género Ambience (atenção que de Ambiental não tem nada!) trata-se de um som underground no Mali por isso apreciem quando os descobrirem... Bring tha noize!


terça-feira, 30 de agosto de 2016

Intermezzo


Music from Saharan Cellphones (Sahel Sounds; 2011) é um LP (originalmente editado em k7) que compila a múica mais popular que se ouvia em 2010 no deserto do Saara através da transferência de ficheiros via Bluetooh dos telemóveis... Já quando o autor Bruno Borges foi à Mauritânia (creio...) tinha-me contado que não encontrou nem k7s nem CD-Rs das músicas regionais, como se esperava para quem pensar por exemplo na Awesome Tapes of Africa. Invés disso, era preciso ter uma pen USB para os locais colocassem músicas nela. Uma sofisticação tecnológica inesperada sem dúvida. Voltando à compilação, uns gringos de Portland, andaram pelo Saara, gamaram essas músicas e fizeram a tal k7. Mais tarde depois de localizar os compositores saiu o LP, supostamente pagando os royalties aos seus autores. Alguns deles aliás que se transformaram em stars do circuito "world music" como Mdou Moctar ou repetentes para outras colectâneas da Sahel como Kaba Blon. Além do "Blues tuaregue" que já há muitos anos tem sido difundido pelos Tinariwen à escala global, encontra-se Hip Hop e Techno do Mali - a lembrar o kuduro - mostrando de quem anda de camelo no meio do deserto sabe curtir mais a vida do que os coninhas ocidentais que ouvem Arcade Fire e outras bandinhas indie da tanga.

segunda-feira, 29 de agosto de 2016

Kebab de fusão

Os Trans-global Underground são uma instituição de como a música podia trazer a paz mundial se isso implicasse apenas fazer uma amalgama de sons de um bocado de todo o planeta. A prova é que o pouco que os TGU apanham em Londres, nas lojas de indianos ou de exilados do médio-oriente ou de África, ao qual juntam os "big beats" da música ocidental mostra que resulta e podiamos ser uma verdadeira Aldeia Global, feliz e em festa. Yes Boss Food Corner (Ark 21; 2001) é o sexto disco que mantendo o pézinho de dança de sempre não avança muito mais naquilo que eles projectaram quando começaram a sua carreira fonográfica em 1993. Falta a presença da fantástica cantora Natacha Atlas para que o disco tenha uma aura emblemática.
Desconfio que nesta altura do campeonato (seja em 2001 seja em 2016) algures na Índia ou no Egipto alguém já fez melhor do que isto. Mas como disse logo início, os TGU são tão importantes como a ONU, para o melhor e para o pior, com ou sem apoio da Coca-Cola.

E se o TGU são uma instituição, Nusrat Fateh Ali Khan (1948-97) é uma Lenda. A sua voz e música lembram banhos no mar atlântico, aquele ir e vir de ondas potentes que vão contra o corpo de um gajo, naquela luta inútil e imersa na Natureza, em que só quem se banha perde energia, o mar ganha sempre. Resta depois descansar satisfeito na toalha no meio da areia com a sensação que se foi espancado mas que soube bem! É o que sinto sempre que oiço Body and Soul (Real World; 2001) e deve ser a única vez que fico feliz com a capacidade do CD ultrapassarem o tempo do disco vinil LP. Se isto foi uma das razões porque a música tornou-se balofa nos anos 90 e seguintes com o pessoal a encher chouriços nos discos só porque podiam ir aos 80 minutos, aqui o excesso sabe bem, preenche a Alma com o sufismo e a anca com Qawwali. E por escrever sobre excessos, foi a obesidade mórbida desta voz paquistanesa que lhe causou a morte demasiado cedo. Mesmo morto ele continua a bater-nos...

Crisis (Pi; 2015) de Amir ElSaffar / Two Rivers Ensemble é um grande disco para quem não gosta de Jazz ou de música "árabe" - ou "maqams" iraquianos em especial. Os dois géneros fundem-se em perfeição total, sob as composições e improvisações deste trompetista norte-americano (de pai iraquiano e mãe americana) num formação de sexteto. Disco e temas dedicados à Primavera Árabe, tem tanto de dramático como de exaltação física, de fuga emocional como de conservador ao mesmo tempo. Quem não gosta de Jazz nem reparará que ele está lá. Quem não gosta de "world music" achará que está aqui algo diferente e que se encontra até em algumas ideias dos Secret Chiefs 3 mas muito sinceramente, quem é que não gosta de música árabe?

quinta-feira, 18 de agosto de 2016

sexta-feira, 12 de agosto de 2016

quinta-feira, 11 de agosto de 2016

FDS apokalips

Milhões de Festa? Coisa de meninos cocados de Lisboa e Porto... Barroselas? Que enfado... Querem um festival brutal? Ele chama-se Filmes do Homem : Festival Internacional de Documentários de Melgaço... Foi neste passado fim-de-semana terrível!

...Sábado de manhã era só lágrimas nos olhos a ver #myescape de Elke Sasse, filme sobre refugiados da Síria, Afeganistão e Eritreia. Se todos nós sabemos como estas pessoas têm sobrevivido para chegar a esta Europa egoísta, xenófoba e em crise de identidade, é muito mais duro ver as imagens gravadas pelos próprios durante a sua trágica aventura - que podia ter corrido mal como se sabe, sobretudo para os eritreus que são cristãos e como tal sujeitos a assassinato religioso durante a travessia pela Líbia, onde também existe tráfico de orgãos, ou seja, uma pessoa pode ser operado no deserto para lhe tirarem algo, assim mesmo como escrevo! Se há muita literatura ou até alguma BD (há pelo menos uma sobre os campos de refugiados por Joe Sacco) ver estas "imagens em movimento" gravadas com telemóveis dos próprios é deveras impressionante. Elas rasgam qualquer protecção intelectual e frieza mental que se possa ter. Há milhares de coisas que vemos e que se pensa durante a exibição deste filme, acho que nem consigo escrever um décimo nem organizar um discurso coerente.

Desde o humor que os sobreviventes inventam para serem (justamente e só isso mesmo) sobreviventes deste Novo Holocausto ao gesto narcisista da "selfie", que se torna num gesto universal de identificação entre vítimas e os espectadores e que serve também de um retrato cronológico das várias etapas dos refugiados. O telemóvel é uma arma de sobrevivência tal como as redes sociais ajudam famílias e amigos a reencontrarem-se mais tarde - ao contrário de outras catástrofes do passado, em que milhares de laços ficaram separados para sempre. Até a música arrepia, aparece como catarse dos refugiados: um grupo de eritreus perdidos no Mediterrâneo começam a cantar uma lenga-lenga e a bater palmas (a lembrar música etíope) quando aparece um barco que os irá salvar; uma "nova música popular" é criada por árabes nos comboios e autocarros a caminho da Alemanha - "Alemania, Alemania senão nos querem lá saltamos para Spania". E vemos como o fantástico Capitalismo é capaz de criar balcões "à la Western Union" nos antros dos traficantes ou como produz lixo (plásticos omnipresentes) espalhado por todo o caminho deste êxodo catastrófico. Soa a futilidade pensar em Ecologia no meio desta desgraça humana mas o retrato capitalista não estaria completo sem a poluição estar presente ao lado dos cadáveres - não os vemos neste filme mas sabemos que eles andam por ali - e dos mutantes. O caleidoscópio de informação e das sensações é tal que um gajo agarrasse a detalhes que se calhar parecem parvos, talvez para descomprimir disto tudo, afinal, num Sábado de manhã não deveríamos estar antes a ver os Desenhos animados!? Graças ao filha-da-puta do Bush Jr. já não podemos fazer isso! Temos de o agradecer por ter tirado o século XXI da sua "infância"!

Almoço à minhota (ou seja farta e ruidosa), depois uma visita ao Museu de Cinema de Melgaço Jean Loup Passek, um verdadeiro tesouro escondido dos portugueses! Este francês ofereceu o seu espólio a Melgaço e é maravilhosa a colecção que se encontra por lá. A exposição permanente é sobre o pré-cinema com as suas lanternas mágicas, zootropos e praxinoscópios - tudo isto pode ser visto também como proto-BDs não tivesse a dupla Ruppert e Mulot recuperado a tecnologia dos fenaquistiscópios nas suas BDs.

Hop! Sessão da tarde com três filmes! O primeiro era uma ode à Mãe, Histoire Maternelles da Anouk Dominguez-Dezen, filme bonito usando o arquivo áudio-visual da família desta realizadora suiça-brasileira. Se é como alguém diz que todos os alemães são nazis até prova contrária, The Guardians de Benjamin Rost prova bem isso ao mostrar uma escola de seguranças, onde vemos um bas fond alemão a aprender a ser segurança profissional. Terror! As ligações à extrema direita não são aprofundadas mas com dois pingos de testa (coisa que falta nos seus protagonistas) percebe-se o que aquela gente é ou gostaria de ser. E se as "louras-burras" (com rottweilers) chumbam aos exames da escola, ainda tem 20 tentativas para conseguirem o seu diploma de Segurança. Vinte são as vezes que a activista palestiniana Sheerin of Al-Walaja foi presa pelos "nazisraelitas". Vemos uma das vezes no filme de Daz Chandler tal como a vemos a usar a palavra e a não-agressão contra uzis e soldados, é uma inspiração telúrica para Humanidade.

Claro que um gajo sai arrasado de mais uma sessão... Nem quer ver um galego deprimente (é o que os galegos e portugueses têm em comum além da península ibérica e língua) a emigrar prá deprimente Suécia. Que se lixe o cliché "fui para longe para me encontrar no ponto de partida", por favor...

Noite... O Inferno começa a libertar as chamas na Terra. My Enemy My brother de Ann Shin é daquelas histórias de meter o Paul Auster num canto. Um iraniano e um iraquiano que estiverem frente a frente no Conflito Irão-Iraque (entre 1980 e 1988), encontram-se 25 anos mais tarde no Canadá. Ambos ajudaram-se, uma vez um deles não matou o outro no meio de Khorramshahr, mais tarde o que não levou uma bala salva o "atacante" de se suicidar. Não há ditadores que aniquilem totalmente o espírito humano, já as máquinas... Behemoth de Zhao Liang ganhou o prémio de melhor filme deste festival e é merecido. O filme cita a Divina Comédia mas ele próprio já é um Inferno. Mostra imagens de minas monstruosas e os seus trabalhadores, a saúde e morte dos mineiros, o desastre ecológico, a destruição de habitats naturais de populações e o desperdício final - depois de tanto desumano esforço, o resultado é a criação de aço para a construção de centenas de cidades-fantasmas que existem na China. Cidades horríveis de prédios enormes todos abandonados mas com funcionários da limpeza nas ruas. O absurdo chega ao limite especialmente porque as imagens gravadas parecem que estamos algures num planeta de insectos. Um gajo sai da sessão e quer é ir dormir. Já reza para que lhe dêem descanso no Domingo...

MNRG people em Melgaço...

Não termos nem Paraíso nem Inferno é ficarmos intoleravelmente despojados e sós num mundo sem espessura. Dos dois reinos perdidos, verificou-se que era o Inferno o mais fácil de recriar. - George Steiner in No Castelo do Barba Azul (Relógio D'Água; 1992 - orig. 1971)

Domingo foi mais "soft" e esquecemos por uns tempos esse Inferno. De manhã no belo parque de Lamas de Mouro viu-se Os olhos de André de António Borges Correia, um "doc-drama" usando actores não-profissionais e que interpretam os acontecimentos que lhes aconteceu, com um pózinho de ficção aqui e acolá. Um drama abala uma família de Arcos de Valdevez mas a persistência do pai consegue vencer as dificuldades da vida. É outro humano inspirador, o senhor António Morais, em que pelo menos contamos com um "final feliz" e um encontro seu com o público - incluindo os seus sete filhos! Foi um evento meio-anarca...

Depois do almoço, decidimos (eu e a minha mulher) de regressar a Lisboa, pensava eu que seria uma viagem quente mas calma para lutar com as mais de cinco horas de viagem de carro entre Melgaço e a capital... O que aconteceu foi revoltante em sintonia com o Inferno que transformá-mos a Terra, foi presenciar incêndios pelo Minho inteiro e depois, perto de Antuã, ficar parado na auto-estrada durante três horas! Sim demoramos mais de oito horas, três delas no meio de centenas de carros e camionetas sem sabermos o que fazer. Rádio? Nada serve, só para manter as pessoas alienadas com futebol e música de merda, notícias sobre o que se passava? Tanto como quando foram os atentados em Paris - nessa noite íamos para o Porto e as notícias que saíam sobre Paris eram às mijinhas. Programas evangélicos em compensação havia a pontapé!

Por fim, quando acontece algo assim, pergunta-se porque raios existem auto-estradas nesta lógica que esta tem de ser pagas e como tal com acessos muito reduzidos. Se o incêndio tivesse pegado nos carros teríamos um Matanças maior que o Andanças... Mas como ainda somos humanos, até houve um casal que ofereceu água sem fazer um tostão. Onde estava a bófia ou o Estado para tal? Para que servem os 21 euros e tal de portagem? E as estações de serviço com os preços acima da média? Que pulhas! Era bom que as chamas fossem até às vossas casas destruir tudo... É o mínimo que vos desejo!

Agradecimento Ao Norte pelo convite por esta estadia no Inferno. Felizmente que o festival não foi na Madeira...