quarta-feira, 31 de outubro de 2012

Jorge Lima Barreto : "Jazzorama 5" (Tugaland; 2007)

Foi uma descoberta na Trem Azul... Outro livro de Jorge Lima Barreto (1949-2011) e desta vez com o selo da má-pagadora Tuga Land - antes conhecida por Corda Seca, também especialista em fugir aos créditos de ilustradores e autores de BD. A Tuga Land é conhecida, também, por fazer colecções de livros e CDs para jornais do tipo Pop Rock Português e BD Jazz mas não livros... Livros assim do tipo agrafados e poucas páginas. É um mistério mesmo, esta brochura saiu com algum jornal? Foi para as livrarias? Perdeu-se no meio de "bestsellers" - aqueles livros com mais de 500 páginas, com capas photoshopadas de anjos e conspirações maçónicas?
Não faço puto ideia, só sei que descobri isto a semana passada lá na Trem Azul e a edição já tem 5 anos de existência. São mini-ensaios sobre Jazz em jeito de telegrama onde se aprende mais sobre música que os livros de 500 páginas, sobretudo porque Barreto não se cinge apenas ao Jazz mas trata de todas as questões de pós-modernismo, multimedia e tecnologia. Apenas o último ensaio, Cognomes do Jazz, é um exercício de espetácularidade onanista para "nerds" do Jazz - em que Barreto separa os músicos de Jazz pelos seus nomes ou melhor as suas alcunhas que remetem para títulos nobiliárquicos (como Duke Ellington e Count Basie), os derivados do republicanismo (Prez, como era conhecido Lester Young), zoologismo (Gato Barbieri e Cat Anderson), botânica (Bean, isto é, Coleman Hawkins), toponímia (Philly Joe Jones), caracteriologia (Judge, como era apelidado Milt Hinton), religião (Turyaia - Alice Coltrane), familiarismo (Pops, i.e. Louis Armstrong), fisionomiologia (Fats Navarro), exotismo (Panama Francis) e tecnicismo (Joseph "tricky sam" Nanton)... Enfim, um gozo fútil bem enquadrado no selo em que foi publicado. Check it out!

quinta-feira, 25 de outubro de 2012

20 anos do Mesinha de Cabeceira



25 Outubro - 16 Dezembro
Estação Elevatória a Vapor dos Barbadinhos, Lisboa
no âmbito da Trienal Desenha 2012


Sinopse: Exposição de originais de BD, desenho e ainda de fanzines, serigrafias e pintura relativos aos 20 anos de existência do fanzine Mesinha de Cabeceira. Criado por Marcos Farrajota e Pedro Brito, desde 1992, que se assumiu como um projecto mutante que se intervala em antologia, monográfico e "perzine" para além de ter passado pela impressão profissional, pela fotocópia e pela serigrafia

Sobre a exposição: Deveria ser uma retrospectiva mas para isso era preciso logística e dinheiro que ninguém teria interesse em investir. E depois há originais perdidos por todo o lado: em Macau, na área metropolitana de Lisboa e quem sabe Brooklyn, Hamburgo, Belgrado, Viseu e Seattle... O fanzine nasceu em Lisboa, embora os seus dois fundadores, Pedro Brito e Marcos Farrajota fossem dos subúrbios (Barreiro e Cascais, respectivamente) mas os colaboradores vieram de vários pontos do planeta, daí que recolher todo o material seria complexo e dispendioso.

Esta exposição é uma selecção de peças curiosas, sobretudo de originais de BD dos 20 anos de actividade editorial do fanzine Mesinha de Cabeceira, desde o seu número zero até ao mais recente número 23. Optou-se para mostrar algumas curiosas peças que mostram de forma simples as pranchas de BD (originais) pouco antes de serem impressas fosse nos tempos gloriosos da fotocopiadora até à impressão offset – passando ainda pela serigrafia.

Muitos destes originais tiveram pouca visibilidade, ou por causa das tiragens reduzidas das edições (sobretudo dos primeiros 12 números) ou ainda porque nunca estiveram expostas noutros espaços - excepção serão os trabalhos de André Lemos, Filipe Abranches, João Maio Pinto, Jucifer, Marcos Farrajota e Pepedelrey que ainda o ano passado, foram vistas por milhares de pessoas durante a exposição Tinta nos Nervos, no Museu Berardo.

Da Noruega vieram as páginas da BD de Monia Nilsen, em registo de entrevista saída no Mesinha de Cabeceira Popular #200 (Chili Com Carne, 2006). Da viagem a Moçambique, Crizzze conta a sua experiência com as cores fortes de África – o trabalho saiu no #17 (Chili Com Carne, 2003). Dos EUA veio uma pintura de Mike Diana que mostra os ácidos a todas as cores da capa do MdC #15 / Sourball Prodigy (MMMNNNRRRG; 2002). Da Alemanha Dice Industries envia as suas BD-colagens que integram o recente número 23 a sair durante esta comemoração do MdC - um mimo, as colagens e o livro, já agora!

Vindos também deste número poderemos ver os originais de André Coelho, Bruno Borges, Sílvia Rodrigues, José Smith Vargas, Afonso Ferreira, Daniel Lopes e Lucas Almeida (numa nova montagem em serigrafia).

E recuperamos ainda trabalhos de Arlindo Horta, João Chambel (remontados) do MdC 18 (Chili Com Carne, 2004), de Nunsky - da sua clássica BD psycho-goth-billy -, Silas, Jorge Coelho e montes de originais "bedroom punk" de Marte (as primeiras páginas das séries Loverboy e NM) e claro... Pedro Brito - os primeiros trabalhos, que serão bastante curiosas para os fãs hardcore deste autor!!!

Informação útil: Inaugura a 25 de Outubro, patente até 16 de Dezembro | 10h - 18h | inauguração 19h
Museu da Água - Estação Elevatória a Vapor dos Barbadinhos, Lisboa | Público-alvo não determinado com interesse pela banda desenhada e ilustração. Para público com mais de 16 anos | Acesso: Adultos 2 euros, até 12 anos gratuito, Cartão jovem, aposentados, mais 65 anos 1 euro.

Extra: Dia 27 de Outubro – aliás à noite, a partir das 22h, na Trem Azul, as comemorações dos 20 anos do Mesinha de Cabeceira expandem-se para Festa com uma outra exposição, Cronovisões, Ex-votos para o Futuro, uma individual de Doutor Urânio que mostra o seu trabalho de colagem retro-futurista, e haverá concerto de Susana Santos Silva (trompete, electrónicas) com Jorge Queijo (bateria, electrónicas) e um pé-de-dança com os discos de unDJ MMMNNNRRRG.

Internet thing: mesinha-de-cabeceira.blogspot.com | chilicomcarne.com


FESTA de SÁBADO à NOITE (dia 27 Outubro na Trem Azul): exposição de colagens de Dr. Uránio + concerto Susana Santos Silva (trompete, electrónicas) com Jorge Queijo ( bateria, electrónicas) + unDJ MMMNNNRRRG.


CRONOVISÕES, EX-VOTOS PARA O FUTURO 
Exposição de Doutor Urânio

na Trem Azul, de 27 Outubro a 23 Novembro

Falamos de Tempo e Mente, que dificilmente pertencem a categorias. Separamos o passado e o futuro e descobrimos que o Tempo é uma amálgama de ambos. Separámos o bem e o mal e descobrimos que a Mente é uma amálgama de ambos, temos de compreender o todo. Issac Asimov

Os lubis-homens são aqueles que têm o fado ou sina de se despirem de noite no meio de qualquer caminho, principalmente encruzilhada, darem cinco voltas, espojando-se no chão em lugar onde se espojasse algum animal, e em virtude disso transformarem-se na figura do animal pré-espojado. Esta pobre gente não faz mal a ninguém, e só anda cumprindo a sua sina, no que têm uma cenreira mui galante, porque não passam por caminho ou rua, onde haja luzes, senão dando grandes assopros e assobios para se lhas apaguem, de modo que seria a coisa mais fácil deste mundo apanhar em flagrante um lubis-homem, acendendo luzes por todos os lados por onde ele pudesse sair do sítio em que fosse pressentido. É verdade que nenhum dos que contam semelhantes histórias fez a experiência. Alexandre Herculano

Para mim, a melhor coisa em relação ao Cyberpunk é que me ensinou a gostar de centros comerciais, que geralmente me aterrorizavam. Agora imagino que a cena toda está duas milhas debaixo da superfície da lua, e que  o lado direito das pessoas foi comido por ratos de aço robotizados. E de repente torna-se interessante outra vez Rudy Rucker


Nos terrenos inacessíveis cercados por modernos edifícios encontro a fronteira entre a terceira e a quarta dimensão. Do quotidiano de destruição maciça surgem hipermontagens mediúnicas. Os objectos perdidos nos poços dos elevadores provocam-me visões antigas de um futuro tragicômico. Dos horrores das novidades tecnológicas imerge a fusão de imagens improváveis. As  leucotomias pré-frontais do entretenimento fundem-se em permutações da realidade representada.  A mocidade da ultra-higiene espalha suavemente as linhas principais das ditaduras auto-impostas através de radiações electromagnéticas. Morcões e trengos flutuam no mar de alienação a procura de aparelhos TDT nos escombros do naufrágio do rei D. Sebastião.

Estes conceitos e outras derivaçôes críticonostálgicas são apresentadas no formato  de fotomontagem (revistas velhas, tesoura e cola).

#23 : Inverno


one comix collection about the WINTER (Inverno, in Portuguese) to comemorate 20 years of the zine Mesinha de Cabeceira created by Pedro Brito and Marcos Farrajota in1992
published by Chili Com Carne 
edited by Marcos Farrajota
designed by Joana Pires 
covers by José Feitor e Pedro Brito 

500 copies, 352 A6 b/w pages ALL in ENGLISH

...

Antologia comemorativa dos 20 anos do zine Mesinha de Cabeceira, criado em 1992 por Pedro Brito e Marcos Farrajota.
Publicado pela Associação Chili Com Carne
Editado por Marcos Farrajota
Design por Joana Pires
capas: José Feitor e Pedro Brito

Foram impressos 500 exemplares, são 352 páginas A6 a preto e branco. todas as BDs foram redigidas em inglês.

Com trabalhos de / comix by João Chambel, Daniel Lopes, Sílvia Rodrigues, Afonso Ferreira, Rafael Gouveia, Sara Gomes & André Coelho, José Smith Vargas, Bruno Borges, João Maio Pinto, Silas , Stevz (Brazil), Martin López Lam (Peru/ Spain), Lucas Almeida, Dice Industries (Germany), Uganda Lebre, Filipe Abranches, Tea Tauriainen (Finland), João Fazenda  and Zé Burnay.

Apoios / support: Instituto Português do Desporto e Juventude e Trienal Desenho 2012 

BUY BUY BUY @ chilicomcarne.com/shop


Lançamento na exposição 20 anos do Mesinha de Cabeceira, 25 de Outubro, às 19h, na Estação Elevatória a Vapor dos Barbadinhos, Lisboa. 

To be released 25th October at the exhibition "20 years of Mesinha de Cabeceira" at Estação Elevatória a Vapor dos Barbadinhos, Lisbon.



Antes de apagar a luz...

Não vou dizer que 20 anos passam rápido - embora seja verdade quando se ultrapassa a barreira dos 30 - como também não vou dizer que tudo mudou desde do dia 22 de Outubro de 1992 quando eu e o Pedro Brito lançamos o número zero do Mesinha de Cabeceira.

Se nesse ano, o MdC era uma reacção à apatia que a BD sofria na altura, em 2012 os motivos para continuar um título embevecido de "bedroom punk" não são muito diferentes apesar de tudo. Aliás, é curioso que quando houve uma “época alta” para a Nova BD Portuguesa - ou seja, entre 1996 e 2002 aquando da Direcção de João Paulo Cotrim na Bedeteca de Lisboa - foi nessa altura que o MdC teve menor actividade editorial. Quero dizer com isto que vejo o MdC como uma “oposição”, não necessariamente a um sistema ou uma ordem instituída mas contra a modorra e a inércia no mundo da BD portuguesa. Geralmente cada número é feito para dar o exemplo, é portanto um projecto moralista... O que soa muito mal mas parece que faz algum sentido.

Em 1992, eu, o Pedro Brito e alguns amigos precisamos de zines de desenhos xungas com argumentos escatológicos, e porque os zines de BD que existiam não abriam portas a toda uma cultura urbana que estávamos a descobrir (música, poesia, colagem), foi a nossa mini-vingança a todos os coninhas que nos rejeitaram! Em 1995 precisava de deitar a BD autobiografia que passei da dedicar-me, coisa inédita na BD portuguesa. Em 1997 ninguém queria saber do meteórico Nunsky e fez-se uma edição especial, já ela comemorativa e de passagem para uma produção profissional. Em 2000 não se faziam concursos de BD em que se contemplasse a publicação de monografias dos trabalhos vencedores... Fez-se então! Em 2002 era porque ninguém ligava ao André Lemos nem à técnica de serigrafia. Também o polémico autor norte-americano Mike Diana não tinha um livro a solo, mais dois monográficos! Em 2003 só se pagava 10 euros por página em revistas de editoras profissionais, então a pobretanas da Associação Chili Com Carne, até ela, seria capaz de dar esse miserável valor e preparou três números do “laboratório sincopado de texto + imagem”! Em 2006 já não me lembro, foi apenas por luxúria ou porque tinha deixado de haver BD portuguesa... Em 2009 o João Maio Pinto merecia um livro num formato de meter respeitinho. Em 2010 foi para limpar a minha honra pessoal de muitos trabalhos para projectos falhados que tinham de sair por algum lado! Na coincidência cósmica da coisa tive acesso a uma nova geração de autores brasileiros a merecer embaixada em Portugal. E em 2012?

A primeira razão seria vaidade pura pelos 20 anos de existência que noblesse oblige tem de se comemorar. E chegava-se ao número 23 que sempre foi uma das obsessões do Pedro Brito - e de muita outra boa gente - para que ele voltasse aos comandos do MdC e acabava-se com a coisa, afinal 20 anos é demasiado tempo para um fanzine. Para quem não sabe o Pedro Brito por volta do número 6 abandonou o barco para se voltar para outras actividades profissionais mas nunca deixamos de ser amigos. Este 23 seria uma forma de amizade sacana de lhe passar uma batata quente mas ele conseguiu afastar-se outra vez. Entretanto à perna foi feito compromisso de participar na Trienal Desenha 2012 que incluía uma exposição retrospectiva no Museu da Água / Estação Elevatória a Vapor dos Barbadinhos entre 25 de Outubro e 16 de Dezembro.

Sendo um número de despedida, o “Inverno” como tema seria ideal porque representa o "final" (a morte ou um final de um ciclo) e como o número zero do MdC começou com "Outono... regresso às aulas" (que merda de tema juvenil, pá!), a estação do frio traria o sentido para fecharmos esta publicação de vez. Só que entretanto comecei um trabalho de grande envergadura que me exigiu uma publicação regular para conseguir concluí-lo, logo já saiu o número 24 em Julho 2012 sem este 23 ter ainda a sua forma completa - e em breve sairá o 25 e mais alguns números nesse registo.

E como se poderia comemorar? A forma iria ditar o conteúdo porque queria-se um objecto grosso que se pudesse abrir com prazer à mesinha-de-cabeceira a caminho do descanso merecido do final do dia - uma pretensão que explica o seu nome, para quem nunca o adivinhou... Um bloco de papel que tivesse muita BD de preferência com forte narratividade - embora se aceite outras deambulações textuais. Eis uma situação complicada num período (outra vez) negro da BD portuguesa em que os autores (e tudo mais) perderam as evoluções que se registaram no mundo ocidental nos últimos... 20 anos! Falo da ascensão da BD de autor, a abertura das livrarias, galerias e instituições a este médium (na sua vertente literária e artística, não pela mera sociologia da popularidade), a interactividade entre agentes no plano internacional, o uso da autobiografia - e as vertentes paralelas dos diários de viagens, jornalismo, ensaio, crítica e reportagem - para expandir o meio, a imposição comercial do romance gráfico como modelo editorial, etc… Aspectos todos eles de máxima importância e que tenho orgulho - e talvez o único que tenho nestes 20 anos de actividade - ter difundido pelos meios limitados que tive acesso. Aproveito para agradecer à Associação Chili Com Carne (e à El Pep) por terem editado alguns dos números do MdC, algumas vezes até com apoios institucionais para ajudar a causa. Já agora, sobre os outros “selos”, a FC Kómix (doze primeiros números) e a MMMNNNRRRG (quatro números) não contam para os agradecimentos porque são estruturas por onde me escondo...

Voltando à irritável BD portuguesa, este MdC deveria ser um "tour de force" para mostrá-la energética e com (alguma) saúde, cof cof... e tal como em 1992 conseguisse chegar aos objectivos. Criou-se um tema, um formato e encomendas que foram recebidas com atenção e amor por colaboradores originais da estaca zero (Pedro Brito, João Fazenda), alguns que participaram anteriormente em números antigos (João Chambel, Rafael Gouveia, João Maio Pinto, o alemão Dice Industries, Filipe Abranches, José Smith Vargas, Stevz, José Feitor, Daniel Lopes, Bruno Borges, Silas) e algumas estreias absolutas como Sílvia Rodrigues, Afonso Ferreira, André Coelho, Sara Gomes, Martin Lam López (Peru/ Espanha), Lucas Almeida, Uganda Lebre, Tea Tauriainen (Finlândia) e Zé Burnay. A todos eles agradeço o empenho e (espero eu) gozo que tenham tido para me ajudarem a marcar a data.

Modestamente o vosso criado,
Marcos Farrajota
29/09 Lx


Agradecimentos a Ana Guerreiro / Trienal Desenha 2012, Ana Laborinho / EPAL, Travassos / Trem Azul, André Lemos, Diego Gerlach, Rudolfo e David Campos. Em especial à Joana Pires que acabou de "crashar" no sofá depois de uma derradeira sessão de design deste extenso volume.

terça-feira, 23 de outubro de 2012

Tesón! Tudo me dá tesón!

Onardo? Who the fuck is Onardo?

A poucos dias da inauguração eis algumas imagens das peças que poderão encontrar na exposição 




Nunsky in Mesinha de Cabeceira #13 (esgotado mas acessível em PDF grátis no site da Chili Com Carne)



Maquetes, todos os números do Mesinha de Cabeceira, originais jamais vistos (como os do Loverboy escritos e desenhados por Marte), e bonecada vária é o que se pode ver na Quinta-Feira. Apareçam!!!

sexta-feira, 19 de outubro de 2012

Entrevista de Marcos Farrajota e Pedro Brito para a stress.fm





Uma entrevista na rádio online Stress FM sobre os 20 anos do Mesinha... só o texto do blog já vale a pena ler, quem sabe, sabe, e a malta da Stress não sendo jornalistas profissionais sabem!
Gracias ao Filipe Quaresma.


quarta-feira, 17 de outubro de 2012

Infecção Urinária da Finlândia (VI)

Nova “crónica sónica Suomi”! Só que este regresso à Finlândia foi mais pobre musicalmente do que as outras quatro vezes que lá estive. Algum cansaço da viagem impediu-me de ir à Digelius e outras lojas de música de Helsínquia fazendo com que trouxesse menos discos deslumbrantes deste país.

Mais uma vez fui representar a Associação Chili Com Carne ao Festival de BD de Helsínquia que decorreu no início de Setembro, durante as minhas férias de verão. Perguntam vocês o que me leva fazer férias para um país escandinavo chato?

Em primeiro lugar acompanho a cena da BD da Finlândia desde 2004, a sua evolução artística e mercantil, por isso tenho todo o interesse ir lá despachar livros que se vendem mais facilmente do que em Portugal (inclusive até os que estão escritos em português!) e voltar a ver caras conhecidas, finlandesas e de outras nacionalidades - o festival tem muitos convidados estrangeiros. Segundo, não considero a Finlândia um país chato. Desde a primeira vez que estive lá aconteceram-me peripécias impensáveis – algumas registadas numa BD de Jarno Latva-Nikkola – o que mata os mitos e preconceitos que se têm dos nórdicos. Algumas histórias de tão absurdas que estão mais próximas do imaginário latino ou dos Balcãs… Não tendo bem a certeza do que afirmo para justificar alguma loucura que por lá impera, diria que a Finlândia é a “pobretanas” da rica zona escandinava. Só que a Noruega tem petróleo, a Suécia os ABBA e a Finlândia só sauna, alces e gelo! Foi o sucesso da Nokia que fez subir a Finlândia ao estatuto de país rico mas mesmo assim a julgar pelos preços das cervejas comparando com a vizinha Suécia, por exemplo, continua a ser o país mais barato daquelas zonas...

E nada melhor que ser “pobrezinho” para ser-se humilde e não ter peneiras. Basta ver o tal Festival de BD, por exemplo, é de facto um evento de grande dimensão mas que não tem um orçamento gigantesco como outros festivais na Europa, como o “nosso” vergonhoso Festival de BD da Amadora ou o supra-sumo dos festivais, o de Angoulême (França). O espaço principal é uma grande tenda no centro da capital onde se encontram as mesas das editoras para venderem as suas edições ao público. Como disse há convidados especiais e estrangeiros, alguns com viagens pagas outros com dormidas pagas, dependendo se os autores tem custos suportados por editoras comerciais ou se os artistas tem alguma exposição patente organizada pelo Festival. Outros convidados – como era o meu caso – são metidos em casas de particulares de pessoas que se voluntariaram em receber os convidados nas suas habitações. No fundo, serve para dizer que se não há dinheiro para hotéis não é por isso que os estrangeiros não deverão deixar de vir a um festival de BD possibilitando sinergias e parcerias para promover a BD finlandesa.

Normalmente os convidados devem ficar em casa de artistas, que cinicamente significa “estamos em casa” pois vamos encontrar os mesmos livros, discos, objectos, cartazes, serigrafias e arte na parede… Mas também podem aparecer outras situações como as casas de leitores! Foi o que me aconteceu desta vez. Fiquei na casa de um casal super-simpático de classe média. O tipo deu-me um CD da sua banda, os Monolith Resistor, intitulado Exit Autumn (auto-edição, 2010?) que é um revivalismo de Acid House, tipo de música que não me aquece nem me arrefece, para além de ser uma grande seca a maior parte das vezes. A cena Rave e Acid já teve os seus dias quando significava nomadismo, liberdade, confrontos com os porcos da bófia e claro, muita muita muita droga na cabeça. Passados 20 e tal anos este projecto parece apenas um gesto anacrónico, não só pela música poder ser considerada “retro” mas precisamente porque se volta apenas à sua forma superficial, um mimetismo puramente centrado no som sem que haja uma envolvência na cultura e acção que lhe estão (estavam?) inatas. Neste caso temos “música de informáticos” e não é preciso fazer 4h30 de viagem para apanhar com isto, basta ir aos discos funcionais das “nossas” Thisco ou Marvellous Tone para termos algo idêntico, para não dizer melhor. Avanti!

E realmente para se avançar é preciso recuar qualquer coisa… Temos de ir parar ao Fricara Pacchu, do qual apanhei numa mesa do Festival de BD um single já velho (passe a redundância) intitulado de Stories of the Old (Fonal; 2007). É anterior ao álbum Midnight Pyre e é composto por três temas de neo-psicadelismo que foge aos velhos rocks dos 60s, ao Techno dos anos 90 e às novas fornadas folktrónicas e outras “friqualhadas” dos últimos anos. Os temas são quase indescritíveis na sua mescla de guitarras espremidas, de vez em quando acompanhadas por batidas motorika ou Hip Hop. Temos aqui um ambiente de trip em sintonia com este nosso mundo industrial cheio de referências Pop, plástico, desperdício e cores berrantes. Não é uma má trip nem estamos perante ambientes negros e opressivos de malta Dark, a embriaguez é positiva que até lembra alguns momentos de Pure Guava dos Ween ou as mamadices dos Butthole Surfers. O single é acompanhado por um livro que compila trabalhos gráficos do autor / músico, onde encontramos um denominador comum da psicadelia finlandesa – em que o jornal de BD Kuti será o seu órgão de comunicação mais oficial e acessível – ou seja, temos colagens, fotografias encontradas (bastante bizarras! e não no sentido clássico de “sexo & morte!), desenhos rabiscados em marcadores de cor, tudo numa orgia sensorial que “bate” bem com a música. Como o autor de BD Tommi Musturi me confidenciou: «o Kevin [o Fricara Pacchu] é uma pessoa muito especial». Eu subscrevo!

Depois do fim-de-semana “bedéfilo” em Helsínquia fui para Tampere, a segunda maior cidade da Finlândia mas como qualquer cidade finlandesa, é quase minúscula para chamarmos de cidade... É conhecida pela cena Punk e lojas de segunda mão – ou “feiras da ladra” como eles lhe chamam. No entanto estas “ladras” são na realidade espaços enormes, onde as pessoas podem alugar uma mesa / estante para vender a sua tralha. Tudo está etiquetado e no final paga-se numa caixa comum. Não é uma Feira da Ladra como a de Lisboa, Vandoma (Porto) ou os “Rastros” de Espanha, em que estamos ao ar livre a confrontar as pessoas que comercializam as suas bodegas. Para aqueles lados, como se pode bem imaginar, com o frio, vento, chuva e gelo a apanhar a maior parte do ano, tal prática seria inviável – ou então os finlandeses, bons nórdicos que são, não tem coragem de estar a regatear com outras pessoas preços...

Considero estas lojas como outro exemplo de humildade finlandesa, no final de contas não é preciso, neste mundo de super-abudância, gastar muito dinheiro para se ter roupa, cultura ou acessórios – para quê comprar tudo novinho em folha? Lojas em segunda mão e/ou feiras da ladra são habituais pelo país inteiro, no caso de Tampere é um exagero, há por todo o lado! No centro há umas sete, nos limites da cidade existem outras três gigantescas – pelo o que me foi dito. Fui a quatro no centro e já estava farto de ver tanto lixo da nossa sociedade do consumo…Por gozo “vintage” comprei um disco a 1,5 euros do Coro masculino da Estónia, Meeksoorid (Мелодия / Melodia; 1969?), que canta em estónio (parecido com o Suomi) e o disco foi editado nos tempos da URSS, o que significa que provavelmente o coro deve cantar sobre o fantástico novo homem soviético, o proletário iluminado ou algo assim – não creio que será religioso afinal este LP vêm desses curtos e bons tempos da Humanidade em que o Cristianismo foi proibido!!! É o tipo de disco que deve ter influenciado Type O Negative a gravarem com o seu “Bensonhoist Lesbian Choir”, hehehe…

Voltando ao Punk e afins, quem quiser ouvir esse som ao vivo tem de ir ao Clube Vastavirta, onde numa quarta-feira à noite, por três euros (!) deu para ver três bandas (de Metal, na realidade), sendo a que mais curti foi The Reality Show, power-trio bem coordenado que cada música tocada por eles parecia uma estalada na cara. Vi algures num sítio na ‘net a catalogá-los de Fastcore. Não sei de tanto sobre sub-géneros no Hardcore e nem me interessa mas se existe essa caixa, os Reality Show são bem capazes de caberem nela, pois é Hardcore bem rápido e cheio de riffagem Metal da antiga. Por isso adquiri o EP 7” de estreia A Candle in Hell (Eternal Now Records + Raakanaama + Psychedelica Records; 2011) que é uma descarga eléctrica que deve aquecer os finlandeses no Inverno…

Talvez seja pela estação do frio que desde o final dos anos 70 que o Punk e Hardcore finlandês surgiu com tal agressividade que teve uma influência monstruosa a nível nacional e global. É seminal o género de som que os Terveet Kädet começaram a fazer por aquelas bandas chegando a influenciar bandas como Ratos de Porão, por exemplo…Para completar o ramalhete de Punkcore finlandês actual, o Tommi Musturi ofereceu-me outro EP 7”. Desta vez dos Haistelijat, intitulado Pakkomielle (Nuuhkaja + Joteskii Groteskii; 2012) onde apresentam 10 temas que raramente passam de um minuto de duração. É outro power trio que ultrapassa Mudhoney e Discharge em rapidez Rock’n’Roll com letras cuspidas na língua materna - que a dada altura soa a desenhos animados sei lá porquê. Lembra os Zeke...

Algures percebi que havia uma música dedicada ao artista e autor de BD Kalervo Palsa (1947-1987) -  aliás, a capa lembra o tipo... Musturi traduziu-me a letra dessa música e acho que diz algo do tipo «K. Palsa encontra-se morto ali, ali onde é a fronteira»… Inaugura-se um novo estilo? O Haiku Punk?

Kiitos Tommi & Tiina